Os números não deixam
dúvidas: nos últimos dois anos, 400 mil veículos
passaram a rodar com gás natural veicular (GNV) na América
Latina. No Brasil, há 15 mil instalações
por mês. O gás cresce impulsionado pelo menor custo
e por vantagens ecológicas.
O
motivo maior do sucesso do gás natural é mesmo
a economia. Veja um caso concreto: um taxista que rode em média
200 quilômetros diariamente gastaria, com um Santana,
cerca de R$ 40. Rodando com o GNV, tal despesa cai para R$ 14.
Outra vantagem é a redução de 75% no valor
do IPVA, além de ICMS e IPI mais baixos.
A taxista Leocádia Kovalchuk exemplifica essa economia.
Instalou um kit gás em um Santana a gasolina e consegue
economizar entre R$ 30 a R$ 40 por dia com o novo combustível.
Outro fator que a levou à utilização
do GNV é a adulteração da gasolina e do
álcool, cada vez mais comum. “Notei que o rendimento
do carro caiu consideravelmente. Quando parei na oficina, o
mecânico disse que tinha água misturada na gasolina.
Com o gás não há como adulterar”,
diz Leocádia, que se sente feliz com a utilização
do combustível. “Mesmo com a perda de potência,
acho que vale a pena”, garante.
A perda de potência não
é normal, como explica o proprietário da Instalgás
Conversão e Equipamentos, Carlos Eduardo Balsano, responsável
pela instalação do kit no carro da taxista. “O
que acontece é que ela, para economizar R$ 100, não
quis instalar o adiantador de ponto”, explica Balsano.
“A peça é necessária para compensar
a diferença de combustão entre a gasolina e o
gás. Mas se o cliente não quer, mesmo a gente
explicando a necessidade, não há o que fazer”,
acrescenta.
Agnaldo de Almeida, vendedor, preferiu
investir R$ 300 e colocou o adiantador de ponto em seu Gol 1.0
16V. “A diferença de preço é porque
em um veículo de oito válvulas, como o Santana,
o equipamento é mais simples do que o utilizado em um
modelo de 16 válvulas”, diz o proprietário
da Instalgás. Almeida instalou o kit recentemente. Com
a economia que irá fazer, pretende pagar os R$ 2.500
da instalação. “Como rodo mais de 500 quilômetros
por mês, acredito que conseguirei recuperar o capital
em pouco tempo”, calcula.
Investimentos – A qualidade é a chave para quem
quer entrar ou permanecer no mercado em expansão do GNV
e que deve ficar cada dia mais competitivo. Por esse motivo,
a Autoglobal Automóveis e a Instalgás investiram
em infra-estrutura e pessoal especializado.
“Estamos há seis meses atuando na área.
Nosso movimento vem crescendo mensalmente, graças ao
aumento da demanda e, principalmente, ao trabalho bem realizado”,
afirma Balsano, que investiu cerca de R$ 70 mil em equipamentos
para abrir sua instaladora. Além da instalação
do kit gás, a empresa está apta a realizar a inspeção
veicular.
A Autoglobal está no segmento desde 1995 e calcula
ter em equipamentos algo em torno de R$ 100 mil. “Mas
apenas aparelhos não adiantam”, explica Emanuel
Rocha Gonçalves, gerente de pós-vendas da empresa.
“Nossos funcionários, além de grande experiência,
passaram por cursos de especialização no Senai.
Inclusive, tenho quatro ex-alunos da entidade. Um deles foi
o segundo colocado em concurso que a entidade promoveu em Natal
(RN), entre estudantes do curso de especialização
na instalação de gás do Brasil inteiro”,
acrescenta.
Apesar de ser concessionária GM, a Autoglobal faz a
instalação em qualquer veículo. “A
vantagem maior é para os carros a gasolina, devido ao
preço do combustível”, explica Gonçalves.
“Porém, fazemos a instalação em qualquer
carro. A conversão do Astra 1.8 a álcool tem obtido
boa aceitação dos proprietários, que acabam
tendo um bom desconto por causa do ICMS e IPI reduzidos. Tenho
um cliente que disse que irá pagar a instalação
com a economia que fará”.
A Autoglobal e a Instalgás cobram o mesmo valor pela
instalação: R$ 2.500,00, em média. “Usamos
o kit Stefanelli, um dos melhores e com dois anos de garantia”,
diz Gonçalves, que em 2001 fez 560 instalações
e fechou 2002 com 800.
A Instalgás utiliza o mesmo kit e um cilindro de 16
m3. Balsano aproveita para dar uma dica. “Existem instaladores
que cobram menos, porém, utilizam certas artimanhas para
economizar e o cliente acaba sendo prejudicado.Uma das armadilhas
é o tamanho do cilindro. O instalador fala que cabem
16 m3, cobra por isso e acaba colocando um cilindro menor. Pior
que isso é colocar um relê e falar que colocou
um emulador”, alerta.
Na instaladora de Balsano estava uma picape cujo proprietário
caiu no “conto do relê”. A peça acabou
danificando a centralina, componente fundamental do sistema
de alimentação e que custa, em média R$
800. “Mesmo que o cliente não entenda nada do assunto,
ele pode pedir que o mecânico mostre cada peça
que foi instalada”, acrescenta o proprietário da
Instalgás. “Mas se uma empresa tem o certificado
do Inmetro é muito difícil que funcionários
façam esse tipo de artimanha”, completa.
Manutenção
- Instalado o kit gás, é recomendável uma
revisão depois de mil quilômetros. “É
importante fazer o ajuste fino, verificar conexões, mangueiras,
apertos, enfim, tudo que é passível de deslocamento
com a movimentação do carro”, explica Balsano.
Gonçalves, da Autoglobal, recomenda também que
depois dessa primeira checagem, sejam feitas outras, a cada
10.000 quilômetros. “É preciso atenção
com o filtro de ar, que deve estar sempre limpo, evitando restrição
ao motor”, ensina. “As válvulas devem ser
reguladas, cabos de velas e velas sempre em ordem. As velas
devem ter o eletrodo sempre limpo para produzir a faísca
na hora e intensidade certa”.
Quanto às velas, existe uma observação
especial. Na maior parte das conversões para os GNV,
os motores trabalham com misturas mais pobres, se comparadas
às de gasolina ou às de álcool. Tais características
proporcionam menor enchimento da câmara de combustão
do motor, menor rendimento e maior dificuldade para produzir
faísca. Ao requerer uma maior voltagem, o sistema de
ignição, principalmente cabos e velas, é
forçado a trabalhar fora das especificações
originais.
O engenheiro Ricardo Namie, da NGK, fabricante de velas automotivas,
dá algumas dicas para se evitar prejuízos ao desempenho
do motor. “Use velas de ignição de maior
ignibilidade. Verifique periodicamente a folga entre os eletrodos
das velas de ignição. Essa folga deve ser calibrada
conforme as especificações descritas no manual
do veículo”, explica Namie.
O engenheiro recomenda ainda que sejam instalados cabos e
velas de ignição novos e de boa qualidade. “O
uso de cabos e velas de ignição de baixa resistência
dielétrica, que têm dificuldade em emitir faíscas,
pode gerar problemas no funcionamento do motor, causado principalmente
pela fuga de corrente”, alerta.
Gonçalves, da Autoglobal, dá outro aviso importante.
Pelo menos uma vez por semana, o proprietário do carro
com kit gás deve utilizar o combustível original.
“Isso evita que as mangueiras do sistema de alimentação
ressequem e que a bomba de combustível apresente algum
problema”, explica.

Aperfeiçoamento
- A utilização do GNV é segura e os poucos
acidentes que ocorreram foram provocados por utilização
de botijão de gás em vez de cilindros, e má
instalação dos equipamentos. Por isso, a escolha
de uma boa empresa instaladora é fundamental para evitar
problemas.
A melhor dica para a escolha de uma oficina é observar
se tem o credenciamento do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial). Em caso
afirmativo, a empresa possui todos os equipamentos, adota os
métodos de instalação e obedece a todas
as normas exigidas pelo órgão.
Até outubro de 2002, as próprias empresas instaladoras
tinham autonomia para dar o certificado necessário para
o proprietário fazer a modificação do documento
do carro junto ao Detran. Desde aquele mês, o Inmetro
nomeou algumas empresas, responsáveis apenas pela certificação
da instalação.
Uma delas é o Senai que, além de ser capacitado
para vistoriar os carros com kit gás, também tem
dois cursos para a área. O primeiro é sobre legislação,
que envolve não apenas a instalação do
kit, como também a própria formação
da empresa instaladora. “Até 31 de setembro de
2002, o setor tinha normas, não muito rígidas”,
explica Mauro Alkmin da Costa, gerente de treinamento e instrutor
orientador do Senai. “A partir de 1º de outubro,
os Regulamentos Técnicos de Qualidade (RTQ) 33 e 37 foram
modificados pelas portarias 102 e 103 do Inmetro, tornando-os
mais exigentes.
Depois de uma pesquisa de campo, descobrimos que os instaladores
estavam importando os kits e instalando de acordo com o que
julgavam ser o certo. Notamos a falta de critérios e
de profissionais especializados no assunto. Por isso, criamos
os cursos para legislação e para instalação”.
A
primeira turma formou-se em 2000. Os cursos, com 32 horas de
duração, divididas em quatro dias durante a semana
ou quatro sábados, foram um sucesso. “De lá
para cá, já formamos mais de 500 alunos nos dois
cursos, sendo 70% na área de instalação”,
contabiliza Alkmin.
“Normalmente, quem procura o de legislação
está interessado em montar uma oficina”. O curso
custa R$ 300, mas dependendo da qualificação profissional
do candidato, pode ser dado um desconto. Para participar, é
recomendável que o aluno seja mecânico e tenha
algum conhecimento em injeção eletrônica.
Pela inspeção das instalações
realizadas por outras oficinas, o Senai cobra R$ 60. “O
valor é determinado pelo Inmetro”, explica o engenheiro
Fernando Landulfo, técnico de ensino, responsável
pela Área de Assessoria Técnica e Tecnológica
e coordenador substituto do Organismo de Inspeção
credenciado pelo Inmetro. “O Senai faz a inspeção
veicular segundo o RTQ 37, revisão 1, que determina o
que o carro precisa ter para ser aprovado”, explica Landulfo.
“Caso o veículo seja reprovado, o inspetor emite
um laudo, onde constarão todos os problemas que deverão
ser corrigidos para que o carro possa se submeter a uma nova
inspeção. Caso seja aprovado na segunda inspeção,
recebe o certificado de segurança veicular (CSV)”,
acrescenta.
O CSV é um dos instrumentos necessários para
o proprietário do veículo fazer a alteração
dos documentos do carro, do combustível original (álcool
ou gasolina) para o bi-combustível. Outro documento necessário
é a nota fiscal do kit gás. “Isto é
para tentar coibir um pequeno movimento de roubo de kit que
começa a surgir”, diz Landulfo, que alerta para
o fato de o CSV não ser um documento de porte. Ou seja,
o motorista não precisa andar com ele no carro. Mas também
a sua apresentação não significa que o
carro possa andar com os dois combustíveis. “Se
a documentação não estiver em ordem, com
a expressão bi-combustível, o carro pode ser apreendido”,
alerta.
Além da inspeção da instalação
do kit gás, o RTQ 37 também rege a NBR 14/040,
a norma da inspeção veicular. Ela determina que
além da parte do gás, sejam feitas verificações
do estado de conservação dos pneus, do carro,
suspensão, carroçaria etc. “Não adianta
nada um carro instalar corretamente o sistema de gás,
mas estar com pneus carecas, ou suspensão deteriorada”,
diz Landulfo. “Nesse caso, o inspetor irá apontar
o que precisa ser arrumado, para depois emitir um CSV, caso
tudo seja feito de maneira correta”.
Como é feita a conversão
A conversão de veículos para uso de GNV é
simples. Consiste na instalação do sistema de
gás (que inclui tubulações extras, conjunto
de válvulas e a parte eletrônica) e do cilindro
de armazenagem, sem remoção de qualquer equipamento
original. Com a instalação do kit, o carro projetado
para rodar com gasolina ou álcool está apto a
operar com os dois combustíveis isoladamente: gás
natural ou o combustível original, o que o torna bi-combustível.
O motorista faz a escolha acionando um simples botão
instalado no painel do veículo (chave comutadora). A
opção pode ser feita até mesmo com o carro
em movimento. Após a instalação do kit,
o carro amplia a sua autonomia, pois mantém o seu tanque
original e acrescenta o cilindro de armazenamento do gás
natural.
Existe um redutor de pressão. Sua função
é reduzir os 200 bar de pressão com que o gás
sai do cilindro, para 4,5 bar, que é o ideal na hora
de entrar na câmara de combustão. O gás
é aspirado naturalmente pelo motor. Tem ainda os emuladores,
responsáveis pela mistura ar/gás, e um dispositivo
que impede que o bico injetor envie álcool ou gasolina
quando o gás estiver sendo aspirado.
Em caso de emergência, existem válvulas no cilindro
e no meio do circuito. A primeira alivia a pressão de
200 bars do cilindro, e depois permite que o gás saia
lentamente. A do meio do circuito pode ser fechada em caso de
vazamento.
Desempenho - O cilindro mais utilizado, com capacidade
para 16 m³, tem autonomia variando entre 180 km e 200 km,
em tráfego urbano, dependendo da eficiência do
kit instalado. O veículo convertido sofre uma perda de
potência em torno de 5%, mas somente quando está
utilizando o GNV. O cilindro pesa em torno de 60 kg.
Geralmente sua instalação é feita no porta-malas
do veículo ocasionando, assim, perda de espaço
para a bagagem. Além disso, face ao seu peso, recomenda-se,
em alguns casos, reforçar as molas da suspensão.
Caso um carro tenha o kit de conversão e seu proprietário
queira vendê-lo, é possível retirá-lo
e instalar em outro carro, com alguns ajustes de peças.
A conversão de veículos tem um custo entre R$
2.000 e R$ 3.000. Somente oficinas credenciadas pelo Inmetro
podem fazer a instalação. Estas empresas possuem
o Certificado de Homologação de Montagem, que
atesta que todas as normas técnicas são cumpridas,
permitindo que o veículo seja legalizado junto ao Detran,
depois de passar pela inspeção.
Fonte: Francisco Reis, especial para o Oficina Brasil.